Os
brasileiros estão viajando mais. Não só para Miami, Cancun e Nova York, mas
também para o Nordeste, Pantanal e Rio de Janeiro. Pouco importa o destino: a
verdade é que os pacotes turísticos e as passagens mais baratas estão tirando
as pessoas de casa. Muita gente lucra com isso! como os donos de hotéis,
restaurantes, locadoras de automóveis e comércio em geral. Alguém perde? Talvez
os psicanalistas. Poucas coisas são tão terapêuticas como sair do casulo.
Enquanto os ônibus, trens e aviões
continuarem lotados, os divãs correm o risco de ficar às moscas.
Viajar
não é sinônimo de férias, somente. Não basta encher o carro com guarda-sol,
cadeirinhas, isopores e travesseiros e rumarem direção a uma praia suja e
superlotada. Isso não é viajar, é veranear. Viajar é outra
coisa. Viajar é transportar-se sem muita bagagem para melhor receber o que as
andanças têm a oferecer. Viajar é despir-se de si mesmo, dos hábitos
cotidianos, das reações previsíveis, da rotina imutável,
e renascer virgem e curioso, aberto ao que lhe vai ser ensinado. Viajar é
tornar-se um desconhecido e aproveitar as vantagens do anonimato. Viajar é
olhar para dentro e desmascarar-se.
Pode
acontecer em Paris ou em Trancoso, em Tóquio ou Rio Pardo. São férias, sim, mas
não só do trabalho: são férias de você. Um museu, um mergulho, um rosto novo,
um sabor diferente, uma caminhada solitária, tudo vira escola. Desacompanhado,
ou com um amigo, uma namorada, aprende-se
a valorizar a solidão. Em excursão, não. Turmas se protegem, não desfazem
vínculos, e viajar requer liberdade para arriscar.
Viajando
você come bacon no café da manhã, usa gravata para jantar, passeia na chuva,
vai ao supermercado de bicicleta, faz confidências a quem nunca viu antes.
Viajando você dorme na grama, usa banheiro público, come carne de cobra, anda
em lombo de burro, costura os próprios botões.
Viajando
você erra na pronúncia, usa colar de conchas, troca horários, dirige do lado
direito do carro. Viajando você é reinventado.
É
impactante ver a Torre Eiffel de pertinho, os prédios de Manhattan, o lago
Como, o Pelourinho. Mas ver não é só o que interessa numa viagem. Sair de casa
é a oportunidade de sermos estrangeiros e independentes, e essa é a chave para
aniquilar tabus. A maioria de nossos medos são
herdados.
Viajando é que descobrimos nossa coragem e atrevimento, nosso instinto de
sobrevivência e conhecimento. Viajar minimiza preconceitos. Viajantes não têm
endereço. partido político ou classe social. São aventureiros em tempo
integral. Viaja-se mais no Brasil, dizem as reportagens. Espero que sim. Mas
que cada turista saiba espiar também as próprias reações diante do novo, do
inesperado, de tudo o que não estava programado. O que a gente é, de verdade,
nunca é revelado nas fotos.
(Martha Medeiros)
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