O tempo divide-se entre o ontem, o hoje e o amanhã. Ontem
já foi, e amanhã, vá saber. Dito assim fica fácil perceber qual das três etapas
é a mais importante. O presente, lógico. O passado é importante pela bagagem
que você traz de lá e o futuro só é importante no plano da abstração e da
fantasia, porque ninguém o alcança: estamos todos presos neste exato momento.
Diante dessa visão simplista, passado e futuro
transformam-se apenas em sinalizadores de calendário, em semântica para
designar quem você foi e quem você pretende ser quando crescer. No entanto, são
justamente esses dois tempos que monopolizam o planeta. O presente, coitado,
não tem armas para combater duas superpotências chamadas Lembrança e Expectativa.
O passado é um álbum de fotografias onde as cenas fora de
foco não entram. É a realidade revisada: recordar é esquecer a banalidade dos fatos.
Um encontro amoroso, o que é? Duas pessoas que se olham, se tocam, se beijam,
discutem, fumam, se beijam de novo, implicam uma com a outra, riem, fazem juras
eternas, espirram.
Esse encontro, 24 horas depois, será lembrado com mais
boa vontade: a fumaça do cigarro, as pequenas implicâncias e os espirros
sumirão da memória. Ficarão os beijos, as palavras e os olhares. Foi um
encontro mais ou menos agradável, mas será lembrado como mágico. A saudade faz tudo
subir de escalão.
Suas férias estão sendo boas, mas chove há três dias, a
cabana que você alugou não era bem como o corretor descreveu e você está
sentindo falta, não conte para ninguém, do trabalho! Mas, ao voltar para casa,
a lembrança tratará de aperfeiçoar aqueles 30 dias em Camboriú e você não cansará
de dizer que suas férias foram magníficas. Até mesmo dores antigas ganham novo
status ao serem recordadas: dor-de-cotovelo vira aprendizado e aquela vontade
de se atirar embaixo de um ônibus vira um profundo processo de
autoconhecimento. Ter sofrido no passado é sempre didático.
O futuro é outra flor de simpatia. A expectativa veste a
todos muito bem, coloca sábias palavras em nossa boca e uma fortuna em nosso
bolso. A megasena acumulada que será sorteada daqui a alguns dias, a entrevista
de emprego marcada para quinta, o próximo verão em Punta, não sairá tudo como
planejamos? Quem dera. A realidade nunca foi páreo para a imaginação.
Fica o presente, então, encurralado entre esses dois
períodos emblemáticos, o passado e o futuro, quando na verdade ele é que
deveria ser a estrela da festa. O antes e o depois são apenas figuração:
durante é que o desejo é real, que as pernas tremem, que o coração dispara, que
o abraço ainda está quente. A vida é breve e só existe este instante.
Amanhã um pintor de parede estará cobrindo o chão com
esse jornal e minha crônica servirá de capacho para um tênis sujo de tinta. Tic-tac,
tic-tac. O tempo não perdoa.
(Martha Medeiros)
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