O primeiro episódio da Comédia da Vida
Privada contava a história de três casais, um deles formado pela atriz Fernanda
Torres e pelo ator Marco Nanini. Numa das cenas, ela está na cozinha e ele na
sala lendo o jornal, até que ela se aproxima com um vidro de conserva nas mãos
e pede para ele abrir. O marido tenta, faz força, mas não consegue e devolve o vidro fechado à mulher. Ela tem um
treco. Implora para ele tentar outra vez. Ele tenta e nada. Ela fica
descontrolada. Diz que se ele não conseguir abrir o vidro será o fim do
casamento deles. O marido não entende o que uma coisa tem a ver com a outra.
Por quê?
- Porque essa é a única coisa que você faz
nessa casa que eu não faço melhor sozinha!
Essa agora: nossos queridões correndo o
risco de serem descartáveis. A revista Veja de duas semanas atrás estampou um
alerta na sua capa: "Os homens que se cuidem". A reportagem mostrou
que a cada dia aumenta o número de mulheres assumindo postos de alto comando
nas empresas, anteriormente cadeiras cativas masculinas. Levanta-se uma suspeita: assim como fomos secretárias e
telefonistas durante décadas, quando nosso par de pernas valia mais do que o
nosso currículo, talvez daqui a algum tempo sobrem para os homens apenas os
cargos de mestres-de-obras e leões-de-chácara, onde os músculos
importam mais do que o cérebro. Será? Não aposto um níquel nisso. Enquanto a
mulher não desistir de ter filhos, os homens estão garantidos. Ninguém pode,
como eles, dedicar-se integralmente ao trabalho sem precisar pensar no cardápio
para o almoço. Só mesmo um homem para enfrentar uma
reunião de três horas sem olhar uma única vez para o relógio, ao contrário das
mulheres, que controlam os minutos para buscar a caçula no colégio e levá-la ao
pediatra. Um empresário não se preocupa se a
temperatura cai bruscamente no meio da tarde. Uma empresária se preocupa e
muito, porque deixou os dois filhos no clube vestidos como se estivessem em
Fortaleza. Os homens podem ser instrutores de paraquedismo 365 dias por ano. As
mulheres também, caso não estejam no oitavo mês de gestação. Os homens passam
em casa à tardinha para fazer a mala e avisar que vão passar três dias em São
Paulo, a negócios. Dão um beijo em cada filho e adeuzinho. As mulheres também
passam três dias em São Paulo a negócios, mas antes de fazer a malinha precisam
convocar uma avó para assumir o plantão, ir ao supermercado reforçar a
despensa, ver se os uniformes das crianças foram passados e devolver as fitas
de vídeo na locadora. Feito isso, aí sim, lá vão elas para o aeroporto assumir
seus papéis de executivas, não sem antes checarem pelo celular se as crianças
escovaram bem os dentes. Nessa guerra dos sexos, onde a
igualdade é visível e palpável, o laço que prende a mulher à vida doméstica
passou a ser a vantagem do homem. Melhor nem pensar sobre que espécie de
concorrente nos transformaríamos se pudéssemos, como eles, sair de casa pela
manhã sem olhar para trás. A maternidade e a administração do lar, que ainda
não foram divididas irmamente, nos enriquecem como fêmeas,
mas nos deixam com dois corações no mercado de trabalho. Se um dia a tampa
desse pote afrouxar, aí sim, rapazes, comecem a rezar.
(Martha Medeiros)
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