Como ninguém sabia como controlá-la, muita
gente morria. Como ninguém conhecia bem as formas de transmissão, muita gente
se expôs ao risco, pegou o vírus e o transmitiu a outras pessoas.
Na década de 90, muitos bebês de mães
soropositivas nasceram com o HIV. Foi o que aconteceu com a Mariana, a Cássia e
a Natália*. Elas fazem parte da primeira geração de adolescentes que nasceram
com o vírus e que, graças ao avanço dos tratamentos, não tiveram o mesmo
destino das garotas que se infectaram nos anos 80.
Pelo contrário. Mariana, Cássia e Natália
são saudáveis, bonitas, estudam, namoram, transam. Ao mesmo tempo, elas são
marcadas por uma série de conseqüências relacionadas à doença: têm que conviver
com a perda dos pais, com as angústias associadas à aids e com o medo do
preconceito.
Nas próximas páginas, você vai conhecer
melhor a vida dessas garotas. E a gente torce para que elas te ajudem a refletir
sobre a doença, sobre a sua vida e, principalmente, sobre o modo que você olha
para quem está ao seu lado.
Mariana, 19
anos, Florianópolis
"Meu pai morreu quando eu era bebê e a
minha mãe quando eu tinha 9 anos. No começo, minha avó ficou comigo, mas ela
acabou me levando para a instituição em que eu moro até hoje.
Eu tomo remédio desde os 3 anos. De certa
forma, nasci com eles. Deve ser muito mais difícil se infectar na vida adulta e
só então ter que aprender a conviver com a doença.
Pra mim, o mais difícil é lidar com o que
está de fora - sempre rola um preconceito. Quando eu tinha 10 anos, tive que
mudar de escola por causa disso.
Aí aprendi que tenho que dividir a minha
história só com quem realmente importa. Eu estou no segundo ano de Educação
Física e ainda não tive coragem de contar pra ninguém da faculdade.
Os meus colegas são meio ignorantes, vira e
mexe fazem piadas com aids em um tom meio nada a ver. Coisas do tipo: "Ih,
tu tá ferrado porque o cara que bebeu nesse copo tem aids".
Nem pensam que do lado deles pode mesmo
haver alguém com o vírus e possa se sentir agredido com aquilo.
Só conto quando eu tenho muita confiança na
pessoa. Quando sei que ela vai ser discreta, que não vai espalhar por aí. Mas
com namorado é diferente: tem que contar.
Pô, se o cara vai se relacionar comigo,
precisa saber das coisas importantes da minha vida. O meu primeiro namorado era
da instituição, crescemos juntos e, por isso, ele já sabia.
Já o segundo eu conheci por causa de uma
amiga minha e falei antes mesmo de ficar com ele. Me senti segura porque
percebi que ele era uma pessoa legal.
Ele nem ficou chocado, só quis conhecer
alguns detalhes da minha história. Eu contei e não teve nada demais. A gente
namorou por 1 ano e só terminou porque não estava rolando mais."
Cássia, 17 anos,
São Paulo
"Descobri que tinha aids com 4 anos.
Meus pais já tinham morrido por causa da doença, por isso, morei a maior parte
da minha vida em uma instituição de crianças soropositivas.
Um dia, no pré-primário, eu vi que a tia
dava remédios para mim, mas para as outras crianças não. Daí ela me explicou
que eu tinha um bichinho dentro de mim e que precisava cuidar dele.
Aos poucos, fomos conhecendo o HIV. O pior
disso tudo foi me separar da minha irmã, que não tinha o vírus e foi pra outro
lugar. Hoje moro com ela. A gente é muito amiga, mas o meu sonho é ter a minha
própria casinha.
Eu estudo, trabalho, faço tudo o que uma
menina faz. O difícil é quando eu me apego muito a uma pessoa porque daí quero
contar, não tenho coragem e acabo me sentindo mal por estar escondendo algo de
quem eu gosto.
Quando os meus amigos vêm em casa, eu tenho
que esconder os remédios. É péssimo. Se eles me perguntarem se eu estou doente
e eu vou dizer o quê? Vou continuar mentindo e me sentindo ainda pior?
Até hoje, eu contei para pouquíssimas
pessoas. Elas não acreditam quando ouvem. Acham que estou inventando porque
todo mundo imagina que quem tem HIV é machucado, feio, deprimido.
Não tive que passar por essa crise com o
meu primeiro namorado porque ele era irmão do meu cunhado e, por isso, sabia de
tudo. É bom perceber que a gente pode mesmo fazer de tudo, inclusive namorar.
Ficamos juntos por 3 anos. Agora, faz mais
de um ano que eu estou namorando uma menina. Ela também sempre soube que eu
tinha o vírus porque, antes de eu me apaixonar por ela, nós éramos muito
amigas.
A mãe dela me trata como filha, mas não
sabe que somos namoradas nem que eu sou soropositiva."
Natália, 14
anos, Rio de Janeiro
"Meu maior apoio é o meu pai. Ele
também é soropositivo e faz tratamento junto comigo, vamos os dois fazer os
exames, às consultas médicas... Foi ele quem me criou porque minha mãe morreu
quando eu tinha 3 anos. Ela passou o vírus para a gente.
Pra mim, o mais difícil de ter HIV é ter
que tomar os remédios. Eu detesto. Nessa hora, eu me lembro de que eu não sou
uma menina normal, é a constatação de que a doença existe e vai estar ali pra
sempre.
Mas eu inventei um jeito de aliviar esse
sofrimento. Eu amo Malhação. Então, todo dia tomo os comprimidos na hora que
está começando a novela. Daí, eu me distraio e deixo de pensar no assunto.
O resto do meu dia-a-dia é bem normal:
estudo - quero ser médica pra poder ajudar as pessoas com o vírus -, faço
teatro e saio muito com as pessoas do grupo de apoio, que é como nossa família.
Eles são os únicos que sabem que eu tenho
aids. Para os outros amigos, eu prefiro não contar. Tenho medo de perder as
amizades, como aconteceu com um menino que eu conheço. Depois que ele contou,
todos os amigos se afastaram - quer dizer, nem eram amigos porque se fossem
teriam ficado do lado dele.
Ninguém nunca desconfiou. Às vezes, eu
deixo escapar que vou ao médico e, se alguém pergunta, invento que faço
tratamento para diabete. Ainda não precisei contar para namorado porque ainda
não tive um. Mas já decidi que, para o garoto saber, a gente vai ter que estar
junto há pelo menos um ano.
Aí, vai ter dado tempo de perceber se ele
merece minha confiança ou não. Meu pai ficou quase noivo 3 vezes e as 3 foram
embora quando ele contou que era soropositivo. Dói muito.
Eu não vou passar pela mesma coisa. Eu
quero muito casar e sei que não vai ser fácil encontrar um cara soronegativo
que me aceite. Não passo os dias sofrendo com isso, mas é uma coisa que me
preocupa, digamos, em 50% do tempo."
43% dos jovens entre 15 e 24 anos não usaram preservativo na última
relação sexual.
11,8 milhões - É o número de jovens* que vivem com o vírus da aids no mundo.
50% dos jovens sexualmente ativos não acreditam correr o risco de contrair
o HIV
1885 - É este o número de garotas** brasileiras contaminadas pelo HIV, de
2000 a 2005
*
De 10 a 19 anos
** De 15 a 24 anos