Uma amiga namorou por seis meses um
americano, nascido em Santa Bárbara, Califórnia. Lá conheceram-se e por lá ela
ficou. Apaixonou-se pelos olhos dele, pelos ombros dele, pelo gosto musical do
gringo, que batia 100% com o seu. Passavam tardes inteiras ouvindo John
Mellencamp, Elvis Costello e Neneh Cherry, apesar de ela
não ter a mínima idéia do que diziam as letras. Seu inglês empacou no the book
is on the table e dali nunca saiu. Ele, por sua vez, achava que no Brasil se falava
espanhol, idioma que tampouco dominava. Tudo bem. Nenhum dos dois estava mesmo
a fim de papo. Beijavam-se adoidado, caminhavam juntos na beira do mar, andavam de bicicleta, tomavam cerveja
nos bares e compartilhavam canções.
Foram almas gêmeas por meio ano e tudo
o que precisavam era dizer hello quando se encontravam e bye bye quando se
despediam. O resto funcionava na base da mímica, do tato e do encanto. Mas não
há amor que resista à mudez eterna. Ela resolveu voltar para o Brasil e não se
correspondem por
razões óbvias. Falar no telefone, nem
pensar. The end.
Eis que minha amiga, ao voltar, conhece
um paulista. Português fluente, como o dela. De certo modo, sentiu-se aliviada:
ela poderia perguntar a ele o que achou de um filme, poderia conversar sobre as
diferenças entre Lula e FHC, poderia deixar recados na sua secretária
eletrônica e dizer coisas safadas no seu ouvido. Depois da
greve de silêncio nos States, uau, ela soltaria o verbo. Foi então que
aconteceu.
Parecia que um era do Zimbábue e o outro
da Croácia. Ela não conseguia falar duas frases sem que ele retrucasse. Se ela
dizia uma coisa carinhosa, ele achava que era ironia. Se ela falava sério sobre
qualquer assunto, ele achava que era deboche. Se ela perguntava algo do passado
dele, ele a chamava de invasiva. Se ela brincava com o cabelo dele, ele
se ofendia. Completamente
dessintonizados.
Quando era ele quem tentava melhorar o
clima, também não funcionava. Se ele concordava com ela, ela achava que ele
tinha aprontado alguma. Se ele ria de suas piadas, ela achava que ele não tinha
entendido. Se ele pedia o mesmo prato que ela no restaurante, ela dizia que ele
não tinha personalidade. Se ele pedia um prato diferente, era porque estava
criticando a escolha dela. Amor nenhum resiste ao desentendimento eterno.
Acabou. Não se correspondem por motivos
óbvios e falar no telefone, também, nem pensar.
Minha amiga procura novo namorado e
espera ter mais sorte na próxima vez. "Brasileiro ou estrangeiro?",
pergunto eu. "Pouco importa", me responde ela, "desde que venha
com legendas".
Martha Medeiros
Nenhum comentário:
Postar um comentário