Amar Demais... Um Erro!

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quarta-feira, 17 de julho de 2013

Eles amam demais: 3 histórias de homens que procuraram tratamento para amores doentios


Começam a surgir no Brasil grupos que acolhem os românticos patológicos e dão apoio. Nesses encontros, eles compartilham dolorosas histórias de submissão e humilhação sofridas enquanto viviam um relacionamento amoroso.


Werther é o nome fictício de um vendedor de livros paulistano de 32 anos. Ele pediu para ser identificado ao longo desta reportagem com esse pseudônimo, em alusão a um dos mais emblemáticos personagens românticos da história da literatura, o protagonista do livro O Sofrimento do Jovem Werther, do alemão Johann Wolfgang von Goethe, lançado em 1774. O romance, que segundo estudiosos tem traços autobiográficos, traz depoimentos sobre o exagerado amor que o rapaz sente por uma moça casada, Charlotte. Ao se dar conta de que a amada nunca será sua, Werther se suicida. O Werther brasileiro escolheu tal nome por identificar-se com o personagem. “Todas as vezes que me envolvo emocionalmente com uma mulher, me dou mal”, diz o rapaz tímido, tamborilando os dedos, af lito, na mesa de um café em São Paulo.
Nosso Werther, que só concordou em posar para a foto desta reportagem sem mostrar o rosto, teve sua primeira namorada aos 10 anos, mas experimentou uma paixão de verdade aos 12. No dia da sua festa de aniversário, a menina lhe deu um presente às avessas. “De repente, ela estava beijando meu amigo na minha frente”, conta. “Fiquei apenas triste, nem consegui sentir raiva dela.” Namoro terminado, ela mudou de escola e ele deixou de vê-la. Namorou outras tantas vezes, mas diz que não conseguia envolver-se tão profundamente. Quando tinha 16, a ex-paixão dos 12 anos mudou-se com a família para o bairro onde Werther morava. Ao reencontro, sucederam-se visitas de um ao outro e muitas tardes lado a lado. Até que o primeiro beijo aconteceu – e logo Werther se viu perdido de amor novamente. Mas, se para ele era um namoro, para ela não passava de aventura. Em um fim de tarde em que eles estavam conversando na porta da casa dela – sentados meio longe um do outro –, um homem, lá pelos seus 30 anos, desceu do banco de carona de um carro, parou diante da casa e convidou a menina para uma festa que começava naquele momento. Ela aceitou, se despediu de Werther com um aceno e desceu a ladeira da rua de mãos dadas com o desconhecido. “Aquela cena nunca mais saiu da minha cabeça. E, depois disso, virei uma pessoa triste”, diz. Os dias se seguiram sem que Werther soubesse que aquele rapaz com quem a amada partira era, na verdade, o noivo dela e que o casamento já estava marcado. Também não desconfiava que o rapaz que o perseguia e até tentara atropelá-lo várias vezes era o noivo traído. A perseguição chegou a tal ponto que os pais de Werther tiveram de intervir. Ao chegar em casa em um domingo, Werther se deparou com os personagens da trama no sofá de sua sala: a amada, a mãe dela, o noivo. Foi ali que soube de toda a verdade – e viu a tal namorada pela última vez. Todas as histórias amorosas de Werther que vieram depois têm enredo parecido. Em geral, ele sente um amor intenso e platônico por mulheres comprometidas que não lhe dão reais chances de envolvimento. “Amo tanto que sou capaz de deixá-las livres”, justifica-se. Mas é justamente esse sentimento excessivo que as oprime e espanta. “Quando me declarei para a última por quem me apaixonei, ela disse que o que eu sentia era demais para ela”, lembra Werther. “Dois séculos atrás, eu seria um poeta. Hoje, sou um doente.”
Há cerca de quatro meses, ele foi procurar uma terapeuta para tratar do que descobriu ser um mal contemporâneo. Werther sofre de amor patológico, na classificação dos psiquiatras. Ou seja, é um típico “hade”, ou homem que ama demais. Assim como suas correspondentes femininas, as “madas”, mulheres que amam demais, os hades têm um modo bem específico de se relacionar. “Para eles, amar o outro demais é amar-se de menos. Não importa o sexo, aqueles que se enquadram nesse perfil têm autoestima baixa e depositam todas as energias e expectativas no outro, pois, sozinhos, não se bastam”, analisa a psicanalista Taty Ades, autora de Hades – Homens Que Amam Demais (Editora Isis). “Assim, acabam procurando relações nas quais se tornam dependentes emocionalmente dos parceiros.”
Grupos de autoajuda de mulheres que amam demais já são antigos no Brasil. Mas ainda está começando a onda daqueles que acolhem homens dispostos a compartilhar suas experiências de relacionamentos destrutivos. A maior entidade que hoje os abriga e trata é a Codependentes Anônimos, que gerencia grupos em várias igrejas católicas do país. Nessas reuniões, homens e mulheres dividem histórias sobre relações tóxicas de todos os tipos. Pode ser um filho de uma mãe controladora, uma mulher que tem a vida cerceada pelo marido e também homens extremamente submissos e dependentes da mulher. Na Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, há um grupo voltado especificamente para o atendimento de homens e mulheres que amam demais. “Começamos nosso trabalho com dependentes químicos e percebemos que, muitas vezes, são as dependências emocionais que levam as pessoas às drogas e ao álcool”, afirma Victor Paulo Ramon, coordenador do projeto. Durante as primeiras seis semanas, homens e mulheres frequentam grupos diferentes – depois, se misturam. Segundo Victor, isso acontece porque eles se sentem intimidados na presença delas. “Até podem se abrir e chorar na frente de outro homem, mas não na frente de uma mulher”, diz ele.
Um dos fatores que ajudam a explicar a existência dos grupos de hades é o aumento do poder das mulheres na sociedade brasileira, que vem mexendo profundamente com os conceitos de masculinidade. Essa ascensão feminina está tirando os homens do seu posto soberano, o de provedor do lar, e minando, como consequência, a autoestima deles. Hoje, 37,4% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, quase o dobro de 15 anos atrás. Outro ponto é que, mais educadas e ricas – e portanto mais livres –, já que estudam mais e trabalham em boas posições, elas ficaram mais exigentes. “As queixas relacionadas à vida amorosa estão entre as maiores angústias masculinas hoje”, diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Cuschnir, especialista em questões masculinas. “Eles não conseguem atender às expectativas delas e se frustram.”
Além disso, o macho contemporâneo não demonstra mais tanta resistência ao falar dos próprios sentimentos – em particular, entre iguais – como no passado. “Está se permitindo desabafar mais e adota um discurso de paixão e dependência que, até poucos anos atrás, era tipicamente feminino”, explica a psicanalista Taty. Embora existam reuniões que podem frequentar, o principal espaço de encontro dos caras que sofrem de amor patológico é a internet. A comunidade do Orkut “Hades – Homens que amam demais” tem 2,7 mil membros e uma descrição: “Eles são humilhados, se culpam e sofrem, mas sempre justificam as atitudes da amada”. Os integrantes da comunidade contam como se sentem ao longo do dia e trocam mensagens motivacionais. Também há fóruns de discussão que cumprem igual papel.
Foi pesquisando na rede que o fotógrafo paulistano Maurício*, 49 anos, se descobriu um hade. Separado duas vezes, coleciona histórias de humilhação por parte de companheiras. Segundo conta, sua primeira mulher ganhava bem e ele, freelancer, ficava sem dinheiro em algumas épocas do ano. “Ela fazia questão de tornar pública minha miséria”, afirma. “Uma vez, fomos tomar sorvete com a família e eu não tinha um centavo no bolso. Pedi a ela que pagasse minha conta, de 4 reais, e ela se negou. Começou a gritar que, se eu não tinha dinheiro, que não tomasse o sorvete”, lembra Maurício, confessando que havia até agressão física em certas ocasiões. “Ela me batia. Quando ficava nervosa, me dava uns tapas.” Maurício decidiu pôr fim ao casamento quando a falta de respeito chegou a um ponto que considerava inaceitável: “No dia em que quitou nosso apartamento, abriu um espumante e disse que precisava conversar. Sacou um contrato de aluguel e falou que eu deveria pagar para ela todo mês”. Maurício saiu de casa.
Quatro dias depois, ele conheceu sua segunda mulher, 20 anos mais nova. “Foi paixão à primeira vista. Os sininhos divinos tocaram quando nos vimos e logo fomos morar juntos”, afirma. Maurício conta que os primeiros quatro anos do relacionamento foram saudáveis, até que ela fez uma viagem para o exterior. Lá, se apaixonou por um brasileiro e teve um caso com ele. Quando, à distância, Maurício descobriu a traição, a hoje ex pediu desculpa e disse que o amava. Perdoou. Mas ela voltou a se encontrar com o amante. Maurício descobriu novamente e a perdoou outra vez, desde que voltasse para casa. “Fui buscá-la no aeroporto com um balão em formato de coração e uma caixa de bombons. Quando ela saiu do saguão do desembarque, me deu um beijo no rosto e falou que estava cansada e queria ir para casa. Chegando lá, foi tomar banho. Entrei no chuveiro para fazer sexo oral nela e fui impedido. Disse: ‘Não faça isso. Transei com ele hoje de manhã’ ”, conta. Maurício chorou, gritou e xingou, mas perdoou a mulher outra vez. Quinze dias depois, f lagrou uma ligação para o tal amante no exterior. Perdoou de novo e a relação durou outros quatro anos. “No fim, não transávamos, ela não falava aonde ia e não atendia meus telefonemas.” Em 2012, ela terminou o casamento. “Fiquei surpreso, pois dizia que me amava.” Agora, namorando uma médica há um mês, ele torce para que a relação seja diferente.
Estudiosos dos hades são unânimes quanto à origem da carência emocional. Em geral, esses homens tiveram relações complicadas com a mãe e transferiram o complexo para a vida amorosa. “É um vício, e eles repetem o padrão”, afirma Taty. “Diferentemente das madas, que costumam se ater a um só homem e ter uma relação doentia com ele, os hades acabam dependendo de diferentes parceiras ao longo da vida”, completa Victor Paulo. Werther, o vendedor de livros paulistano, teme estar se apaixonando novamente por uma conhecida, de quem sabe apenas o nome. “Vai começar tudo de novo, estou prevendo”, diz, com os olhos cheios d’água.
(Por Maria Laura Neves http://claudia.abril.com.br)

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